Em junho do ano passado, o ministro Edson Fachin determinou que durante a pandemia de Covid ações policiais no estado só podiam ocorrer em “hipóteses excepcionais” – e com justificativa ao Ministério Público estadual. A ação que trata do tema ainda está em julgamento no Supremo.
Com mais de 1 milhão de habitantes, São Gonçalo está na relação dos dez maiores municípios brasileiros com a maior taxa de letalidade policial, e também aparece no ranking de cidades com mais mortos em ações da polícia em números absolutos.
Em 2020, o município da Região Metropolitana contabilizou 199 assassinatos por intervenção de agentes do Estado. É, em número absoluto, a cidade em que a violência policial é mais expressiva, desconsiderando os resultados das capitais Rio e São Paulo.
Neste ano, dados do Instituto de Segurança Pública mostram que houve uma redução no número de mortes pela polícia quando comparados os cinco primeiros meses de 2020 e 2021. Os assassinatos em ações policiais saíram de 129 para 104 casos – uma queda de 19,4% nas ocorrências.
Major da reserva da PM e pesquisador do IESP-UERJ, Luiz Alexandre Souza considera que, historicamente, a política de segurança pública no Rio de Janeiro “sempre foi a do confronto”.
“A maioria dos governadores, como [Wilson] Witzel, se elegeu afirmando que iria aumentar o enfrentamento bélico aos criminosos (notadamente nas favelas), mesmo que esse belicismo já fosse alto. (…) Essa tradição do confronto bélico com morte se incutiu no DNA das polícias fluminenses“, analisou o pesquisador.
Para o oficial, as polícias têm “extrema dificuldade” em elaborar formas diferentes de atuar, que não o confronto armado, o que segundo ele “leva sempre à morte de marginais, de inocentes e dos próprios policiais em serviço”.
Esse enfrentamento bélico, com a morte de marginais, propagandeado pelo bolsonarismo, nada mais é do que a expressão pública, mas hoje de forma governamental e oficial, do que as instituições e muitos chefes do Executivo, veladamente, sempre defenderam. Bolsonaro empresta a legitimidade do voto e o peso da instituição Presidência da República para esse discurso, o que antes não se tinha a coragem de admitir publicamente”, complementou.
Na Baixada, ‘desvio institucional grave’
Ao G1, o oficial também analisou a situação na Baixada Fluminense. Como mostra o levantamento do FBSP, quatro entre as sete cidades do RJ com altos índices de letalidade ficam naquela região. Para ele, isso demonstra que, no RJ, existe uma clara diferenciação na atuação policial.
“O mesmo policial trabalha de formas diferentes em relação ao respeito e aos direitos humanos do cidadão. Isso é um desvio institucional grave que nunca foi corrigido, mas, sim, ignorado e mesmo, por vezes, motivado. Locais como a Baixada são vistos como aqueles em que o ‘policial pode trabalhar à vontade’. Ou seja, fazer o que bem entender”, disse Souza.
O major destacou, ainda, a história existência de grupos de extermínio na região, que muitas vezes são formados por policiais e ligados à política local. Para ele, a “ausência de uma política criminal voltada à investigação” e a “quase inexistência de controle externo da atividade policial”, favorecem o descontrole na Baixada.
São Gonçalo: corrupção e juíza morta
Segundo Souza, a criminalidade crescente em São Gonçalo, seguida de uma corrupção policial diversas vezes exposta pela imprensa, ajudam a explicar o fortalecimento de grupos criminosos. O major lembrou do assassinato da juíza Patrícia Accioli, morta por PMs do 7º BPM (São Gonçalo).
Juíza Patrícia Acioli foi morta a tiros na porta de casa, em Niterói (arquivo) — Foto: Reprodução / TV Globo
É uma cidade extremamente populosa, pobre e faz divisa com a cidade com maior renda média por pessoa, que é Niterói, escancarando uma extrema desigualdade. Temos nesse contexto densidade demográfica, desigualdade, histórico de elevada corrupção policial e migração de criminosos. Um cenário ideal para se justificar a política de confrontos”, disse.
Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que “as ações da corporação são baseadas em informações transmitidas mensalmente pelo Instituto de Segurança Pública (ISP)”.
E acrescentou que “as forças de segurança do estado atuam num cenário complexo, no qual há décadas facções criminosas rivais disputam território de forma extremamente violenta”.
Segundo a PM, “apesar de todas as dificuldades, os indicadores criminais divulgados pelo ISP demonstram reduções expressivas e contínuas dos indicadores criminais estratégicos, ou seja, aqueles que mais impactam na vida dos cidadãos”.
“No ano de 2020, período do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a letalidade violenta (soma de homicídio doloso, morte por intervenção de agente do Estado, latrocínio e lesão corporal seguida de morte) registrou uma taxa de 28 por 100 mil habitantes, a menor desde o início da série histórica, em 1991.”
Também de acordo com a PM, “no mesmo ano, a taxa de homicídio doloso analisada isoladamente também foi a menor dos últimos 30 anos: 20 por 100 mil habitantes”. “Já a taxa de morte por intervenção de agente do estado foi de 7 por 100 mil habitantes, a menor desde 2016.“
A Secretaria de Polícia Civil não respondeu ao e-mail da equipe de reportagem G1RJ
“É uma cidade extremamente populosa, pobre e faz divisa com a cidade com maior renda média por pessoa, que é Niterói, escancarando uma